domingo, 26 de dezembro de 2010

8:32, 8:48, 9:11 - boa noite, dia...

8:32.
A tensão começa outra vez.
A cidade está atenta aos seus,
mas não quer nem saber.
O mercado público já abriu suas portas
e os bêbados de ontem são chamados
pelos nomes nos botecos
que dão pra rua,
onde os trabalhadores passam
apressados,
pensando,
carregados.
Portas rangem nos bairros pequeno burgueses como o meu
quando entra alguém pra trabalhar.
Alguém pra trabalhar rangeu portas para
sair de sua casa,
comprada a muito custo
- mais do que o do meu apartamento -
e deixar um filho
alimentado
para a escola pública.
As escolas voltaram-se para o povo outra vez.
Até eu gostaria de estudar agora!
Temos música no currículo!
Não peguei exército também,
na época eu era considerado epiléptico.
Puseram-me, depois de olhar meus exames,
num canto daquele baita lugar
com uma bicha e um cego: pronto!
Era só esperar,
jurar a bandeira
e ir à merda com tudo.
8:48.
Miles Davis Dá tudo de si,
samba em seu jazz.
A porta range outra vez
como a janela do vizinho que foi para o dia.
Mais automóveis
levam e trazem
sonhos,
crueldades,
oscilações,
modorras,
risos,
histerias e
solidões...
e um pouco de escárnio quanto
à própria preguiça:
riem disso tudo com desdém heróico.
Minha chance de trepar
hoje
acabou logo cedo
me acordando ao telefone.
A poesia de Miles Davis e um remédio me põem poeta.
Não entorpeço,
apenas me regulo como nunca.
Àquela época eu era uma caverna pronta
para vomitar um diabo embriagado
e ferido de vazio
e empatia pelo mundo.
Cá estou voltado para a martelada do operário
construindo a casa que,
um dia,
com meu sustento e trabalho,
vou alcançar-lhe uma xícara de café
e pão
para um descanso
enquanto labuta
na casa onde terei uma família.
É assim que o mundo funciona:
a mão estendida primeiramente hoje,
é aquela que percebe outra amanhã.
Ou é assim que deveria funcionar...
Conheço gente que não sabe
o valor da honestidade.
Há uns que põem fora
toda ajuda e força
que lhes deram
só por um punhado de momento...
E há os que mentem
para alcançarem a ilusão
de um prazer extremo e efêmero.
9:11.
É.
Realmente a noite se foi há horas.
A cidade retoma a cidade.
O meu dia terminou
antes do poema.
Sem sexo: ela está doente.
Apenas a ilusão de perceber e sorrir...

Nenhum comentário: