sábado, 29 de maio de 2010

Criança de Amor

A geladeira estava repleta de novidades infantis:
doces coloridos,
chocolates em potes
organizados estrategicamente ao alcance das mãos do guri.
Só no fato de tê-lo na memória,
lhe fazia chorar
e lutar pela saúde,
para seus dias não abalarem-se na comoção que poderia
ser a percepção do câncer em seu organismo pequenino e forte.
Ela sorria também, com fé.
Todos os tubos
e a quietude eram pura bravura,
uma extraordinária forma de suportar a doença
e desdenhá-la de coração para a Vida.
Deus estava com ela no olhar,
dizendo o Amor,
encarando dores e tolices.
O que poderia abalar-lhe?
Eu era seu admirador, poeta e amante
e sabia que não seria fácil
ficar perto quando o silêncio
imperasse,
e eu teria de silenciar
para não pedir demais.
Perdê-la seria uma cruz sobre os ombros
já arqueados pelos dias
me perguntando
"o que diabos eu fui fazer, meu Deus?
Como pude ser tão egoísta outra vez?"
Ela contava as horas
enquanto eu observava o espelho.
Ela arrumava a casa
e a ternura era
o próprio silêncio,
os movimentos necessários.
Eu não conseguia
chegar perto
de
seu
conforto,
mas ali estava
procurando-a,
procurando-me,
encontrando-nos
e sonhando.
Eu queria atenção,
cuidados pela noite em sua casa.
Era dia quando eu a vi pronta.
A criança chegaria para um repouso
e logo teria a quimioterapia.
Eu cuidei do meu corpo dolorido
enquanto lhe enviei coração pensando no pequeno.
Eu sentia saudades
e sabia que elas aumentariam.
Eu tremia de café
e exaustão
em minha cabeça!
Procurava administrar a razão
para que as emoções,
por ela propostas,
não desviassem todas as certezas.
Eu queria a sua ternura,
mas não consegui me despedir
como imaginava a bondade.
O Amor ainda
e todos os caminhos pela sua estrada
levaram-me
aos
nossos
passos,
a uma calma que sabia
que atingiria,
como a cura
daquela
criança de Amor...

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