terça-feira, 27 de abril de 2010

O passo do eremita

Não sente empatia o eremita.
Sobe os degraus até o templo da inconsistência.
Nada na lava da insanidade a sorrir-lhe.
Sua gagueira parece produzir canção,
mas é só o engenho do desabitar-se.
Dentro da caverna,
por dentro da fome e das guerras
que não luta
insiste seu desenhado risco.
Nada arriscado senão o acertado erro
delineado no círculo andado.
"Ei! Alô! Acorda!" lhe cobra
a Razão
a cada nova manhã,
cada vida repentina,
mas tarda...
A gravidade das paixões perdidas
lhe impondo ponderação
é um amargo cais depois do conforto do mar.
O eremita é inteligente e sabe
das dores do mundo
não porque doa,
mas porque sabe.
dói, não porque sabe,
mas porque sente.
Viu o homem na forca,
viu a criança das esmolas,
os albergues noturnos lotados de bêbados, grávidas e perdedores,
viu acidentes demais pelo caminho
- e os sofreu também - ,
viu Deus fugir
pelas lágrimas de um marrom
que apanhou outro dia da vida,
viu o amor ir, voltar, voltar e ir (uma confusão),
viu o monstro do mar
puxando os ingênuos para o oceano
e suas ferocidades,
viu o tempo roubado de si,
viu a luta dolorosa, diária e eterna,
viu a violência sem explicação
da criança numa manhã de chuva no colégio,
viu essa violência ser aplaudida
várias vezes no mesmo local e na noite da adolescência,
viu os estralos nos dedos
para a canção e o poema cegos.
O eremita busca em sua mente de ostra
sem pérola
o que os grãos das ideias vividas
lhe dariam se fosse um dia de sol
a compartilhar seu coração.
Natureza não perderia,
pois que essência é
e ponto final.
O eremita - das dores circulares,
do sinal fechado, da contra-mão,
do olhar distante - escama
e propõe o amor universal,
impede a tragédia,
ganha do Tempo,
impõe-se às culpas,
produz seu trabalho,
filosofa a alegria,
reproduz com Amor,
seduz um povo e encanta uma Nação!
O eremita põe fora lanças,
flechas, arcos, arpões e facas
e olha para o mar buscando o encontro consigo.
Engole a água salgada,
quase se safoga,
mas a onda lhe dá força para a força.
Respira o sol, inebriado pelo vento.
Sai sorrindo do mar
e abraça as primeiras pessoas que vê.
Ninguém entende.
Se esquivam.
Ele está outra vez como estão as paixões,
as guerras, os automóveis,
os pianos, as mulheres belas,
a loucura, a indecência,
a política, os aquários,
tudo
enfim
arquitetado
num passo para fora do umbigo.

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